Para o Conselho Brasileiro de Óptica e
Optometria (CBOO), o Judiciário brasileiro falha gravemente ao não discernir
duas profissões distintas: óptico prático e optometrista. E ao trata-las da
mesma maneira, adota uma postura restritiva que, ao fim e ao cabo,
ameaça a existência da carreira profissional.
Essa é a
avaliação da entidade, no momento em que as opções judiciais começam a se
fechar. Em julho, o Plenário virtual do Supremo Tribunal
Federal manteve a validade de dois decretos de 1932 que limitam
a atuação dos optometristas. Impedem, por exemplo, que instalem consultórios e
prescrevam lentes de grau.
O
que se seguiu foi a reafirmação da jurisprudência tranquila do
Superior Tribunal de Justiça, em decisão da 2ª Turma em outubro, no sentido de
que optometristas podem confeccionar, vender e comercializar lentes de
refração, mas não fazer consultas ou exames. Identificada alguma enfermidade,
devem encaminhar o paciente ao oftalmologista, não lhe cabendo receitar óculos
ou qualquer outro tipo de tratamento ocular.
Ambas as
decisões provocaram reações do conselho, que vai ajuizar embargos de declaração
na ADPF 131 para chamar a atenção para o equívoco. Defende que o optometrista,
como profissional de graduação de ensino superior que é, pode atuar como apoio
ao oftalmologista no atendimento primário.
Segundo
a entidade, a restrição patrocinada pelos conselhos de medicina e oftalmologia
impede que mais de 5 mil profissionais com formação superior possam trabalhar
de forma plena. Por todo o país, avalia, optometristas que com formação reconhecida
pelo Ministério da Educação têm sido alvo de denúncias e punições.
Isso
porque Judiciário, que reconhece a validade dos cursos de
formação de optometria, não compreende que a incompatibilidade
das restrições impostas pelos decretos de 1932 deva ser destinada apenas aos
ópticos práticos — estes, de formação de nível médio. E sem essa diferenciação,
estão os dois proibidos de abrir consultório, fazer consultas e atendimento
primário.
Conceituação desatualizada
Todas essas questões foram enfrentadas pelo STF no julgamento da ADPF,
processo que foi ajuizado em 2008, quando havia, segundo a entidade, 800
profissionais de optometria no Brasil, com instituições de ensino superior em
dois estados. Desde então, este número chegou a 5 mil, formados em 11 estados
Segundo o CBOO, o cenário é importante para caracterizar a diferenciação
com o contexto em que os Decretos Presidenciais 20.931/1932 e 24.492/1932 foram
publicados. Na realidade técnico-científico rudimentar da década de 30, a
função era essencialmente exercida por práticos, sem formação acadêmica e que
eram "verdadeiros curiosos, autodidatas".
Toda a argumentação foi levada em conta no acórdão da ADPF 131, que foi
publicado na quarta-feira (21/10). Relator, o ministro Gilmar Mendes reconhece
o chamado processo de inconstitucionalização dessa restrição profissional,
inclusive pela tramitação Lei 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da
medicina.
A norma originalmente trazia como atividade exclusiva do médico
"prescrição de órteses e próteses oftalmológicas", texto vetado pela
presidência sob entendimento de que a Organização Mundial da Saúde e a
Organização Pan-Americana de Saúde já reconhecem o papel de profissionais não
médicos no atendimento de saúde visual.
Para o relator, houve reconhecimento implícito
pelo Poder Executivo Federal de que a atividade não pode mais ser considerada
privativa dos médicos. Mas isso também não é suficiente para compreender a
liberação total do exercício de prescrição de órteses e próteses oftalmológicas
aos optometristas.
Nivelamento por baixo
Segundo Fábio Cunha, advogado da CBOO, a ideia era imprimir
interpretação conforme aos decretos de 1932 para concluir que, embora
recepcionados pela Constituição de 1988, não podem ser aplicados aos
profissionais de nível superior, sob pena de ofensa ao artigo 5, inciso XIII (é
livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer).
O ministro Gilmar refutou essa proposta equitativa. "O simples
reconhecimento da não recepção dos decretos em questão, por força da liberdade
profissional, não implicaria extensão da prerrogativa apenas aos optometristas
— como se pretende na exordial — mas a todas as pessoas, independentemente de
sua formação", disse.
Para o relator, no conflito entre norma protetiva à saúde frente à
liberdade profissional, prevalece o princípio in dubio pro salute (na
dúvida, em favor da saúde).
"Está penalizando pessoas que não respeitam a qualificação. Quando
se tem qualificação, tem liberdade de atuar. Se não tem, esta certo a vedação
ao exercício. A liberdade não pode ser irrestrita. Mas reconhece que o
profissional com ensino superior está qualificado, ele não pode ser tirado do
mercado. A decisão dá entender que está tirando um dos atos de atribuição ao
optometrista. Não. Está extinguindo a profissão", afirmou Fábio Cunha.
O ministro Gilmar, no entanto, afirmou que não cabe ao Poder Judiciário,
mas ao Poder Legislativo reconhecer essa qualificação profissional por meio do
instrumento adequado.
"Até porque liberar o exercício a todos os optometristas
'contemporâneos graduados por instituição de ensino superior devidamente
reconhecida pelos órgãos competentes'— como quer a arguente — poderia gerar
caos no correspondente mercado e insegurança jurídica frente à diversidade de
formação (tecnólogos e bacharéis), ante não competir ao Poder Judiciário
diferenciá-los precariamente."
Recursos
A batalha jurídica dos optometristas vai continuar. Com a publicação do acórdão
do STF, a CBOO vai ajuizar embargos de declaração. O advogado do conselho ainda
critica que a decisão do STF tenha ocorrido em Plenário virtual, sem debate de
ideias ou possibilidade de sustentação oral presencial, análise de questões de
ordem ou mesmo a apreciação de destaque.
Ressalta
que a competência do optometrista é reconhecida pelo Conselho Internacional de
Oftalmologia. Que é usada pelo Conselho Nacional de Justiça para atendimento
das populações carcerárias, conforme termo de cooperação técnica assinado em
2016. Que está presente no SUS. E que até o Papa a reconhece, dada a vez em que o pontífice fez exames
de vista e escolheu um óculos como se fosse um mero popular, em 2015.
Clique aqui para ler o
acórdão da ADPF 131
Com informações da Revista Consultor Jurídico
Para ler outras
matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
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