Fenômeno relativamente recente da era digital é
o intenso surgimento daqueles denominados influenciadores digitais (digital
influencers). Trata-se daquele que desenvolve um perfil em plataformas
digitais, prioritariamente redes sociais, para produzir conteúdo sobre
determinados temas, influenciando no seu modo de vida, consumo de produtos e
serviços, opiniões, entre outros aspectos do cotidiano. Como remuneração, esses
influenciadores digitais auferem ganhos através de acessos, inscrições, likes, visualizações,
patrocínios etc.
Não há
influência se não há público. Logo, é de suma importância para o crescimento de
sua atividade que o influenciador digital crie uma comunidade, composta por
aqueles que acompanham e apoiam o conteúdo desenvolvido. A denominação muda
conforme a plataforma digital: seguidores, inscritos, fãs, apoiadores, pessoas
que curtiram, dentre outras. É a comunidade que consumirá o conteúdo produzido
e ajudará na expansão e relevância do influenciador digital, chegando ao ponto
de criar uma forma de cultura própria, com jargões, memes e comportamentos que
atiçam a curiosidade dos que estão por fora. Consequentemente, com a
necessidade de pertencimento criada pela nova tendência, o influenciador
digital expande seu público, a sua relevância e seus ganhos.
Ainda
há bastante polêmica acerca da responsabilidade daqueles que se utilizam da sua
imagem para a publicidade de um produto ou serviço. O Superior Tribunal de
Justiça decidiu no REsp nº 1.157.228/RS que a "publicidade de palco"
não atrai a corresponsabilidade da empresa de televisão nem do apresentador,
que atua como garoto-propaganda, pela publicidade enganosa. Em 2011, o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo não considerou Pelé, que atuou como
garoto-propaganda, responsável pelos prejuízos sofridos por aqueles que
aderiram a um consórcio acusado de inúmeros desvios de valores.
Diversamente,
na doutrina [1] há
quem defenda a responsabilidade da celebridade que aparece no informe
publicitário danoso ao consumidor, tendo por base a cadeia de fornecimento
existente, a responsabilidade civil objetiva na relação de consumo e o artigo
45 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária [2], formulado
pelo Conar, que, embora não seja lei, nem tenha força de lei, é uma diretriz
interessante para orientar a publicidade no Brasil. Recentemente, uma
influenciadora digital foi condenada a restituir uma consumidora pelo valor
pago a uma loja anunciada que não entregou o produto comprado [3].
Ainda
que a perplexidade acerca da responsabilidade nessas situações persista, é
preciso já avançar no tema e questionar se o influenciador digital tem
responsabilidade sobre a sua comunidade. Em outras palavras, se atos danosos
produzidos por membros dessa comunidade atraem a responsabilidade do próprio
influenciador digital.
O
problema ultrapassa as barreiras do mundo jurídico. Afinal, para grandes
influenciadores digitais, com milhões de participantes em sua comunidade,
parece uma tarefa impossível de administrar e controlar as atitudes de todos,
ainda que sejam impostas previamente regras. Não há possibilidade de verificar
tudo o que é produzido por todos em um ambiente digital, até porque isto
poderia afetar o direito fundamental de liberdade, em variadas ramificações.
Além disso, nem sequer o influenciador digital teria acesso a todos os meios
digitais em que o membro da comunidade pode se portar de maneira prejudicial.
Todavia,
não se pode negar que o "selo" de participante de uma comunidade pode
potencializar um ataque, tornando-o, inclusive, organizado. O apoio da comunidade
encoraja a prática delituosa, tendo em vista que pode ter o efeito de
anonimizar os autores, o que dificulta qualquer meio de defesa da vítima contra
o bullying virtual
sofrido. Logo, o ataque somente ocorre porque há o estado de pertencimento a
uma comunidade, o que pode fazer atrair para si a desqualificação conhecida nas
plataformas digitais como "tóxica".
Nesse
sentido, ainda que sejam comportamentos tidos como negativos, o influenciador
digital ainda pode se aproveitar dessa toxicidade para ampliar seus ganhos, já
que pode atrair ainda mais apoiadores desta conduta danosa. Ganha também em
divulgação, pois a curiosidade sobre o ocorrido pode trazer mais visualizações
para seu perfil na plataforma digital. Vira notícia e mais conteúdo a ser
produzido. Mesmo a publicidade negativa, portanto, torna-se dinheiro.
Há,
assim, um reprovável ganho em cima do prejuízo alheio que deve ser devidamente
combatido. Só que isso não pode ser feito sem parâmetros claros,
antecipadamente definidos para atrair ou exonerar o suposto agente de sua
responsabilidade.
Parece
que o caminho que deve ser seguido para definir a responsabilidade civil é o de
incentivos pelo influenciador digital para o comportamento tóxico. A deliberada
ou dissimulada ordem de ataque à vítima, a ausência de exigência ou reforço (enforcement) das regras da
comunidade, a falta de punição dentro dos limites da plataforma digital
(advertência, suspensão ou banimento, por exemplo) quando da nítida constatação
de que há uma movimentação violadora dos direitos de terceiros, entre outras
situações que tornem claro que houve uma ação ou omissão do influenciador
digital que causou dano a outrem, nos estritos termos do artigo 186 do Código
Civil.
Verifica-se
nessas hipóteses, portanto, que é imprescindível que seja aferida a culpa do
influenciador digital. Não se pode considerar que a criação de uma comunidade
seja uma atividade de risco a fim de atrair a responsabilidade objetiva do
artigo 927 do Código Civil. Tampouco parece existir previsão legal para tanto e
nem ao menos se trata de relação de consumo.
O
que pode ocorrer particularmente é o influenciador digital deter dados pessoais
da vítima, fornecendo-os para a comunidade realizar os ataques. Não é o objeto
desse estudo refletir sobre a polêmica, mas há tanto aqueles que defendem que
os artigos 42 a 44 da LGPD tratam de responsabilidade civil subjetiva quanto
aqueles que defendem ser objetiva [4].
O fato é que essa hipótese pode ser uma exceção à regra da responsabilidade
subjetiva defendida alhures, se consolidada a ideia de os dispositivos da LGPD
tratarem de responsabilidade objetiva.
A
matéria é extremamente recente e ainda há muito a ser desenvolvido. Questões
cruciais sobre a responsabilidade civil daqueles que se utilizam da própria
imagem ainda trazem perplexidade na doutrina e jurisprudência e, além do mais,
não contam com o novo fator da expansão das plataformas digitais como uma
extensão da própria personalidade humana. É preciso avançar, com atenção às
novidades que não aguardarão respostas do Direito para dar um passo além, como
ocorre no relacionamento dos influenciadores digitais com a suas comunidades.
Fontes:
Para ler outras
matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
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